Nicolelis no podcast da ONU | “Caminhamos para criar milhões de zumbis digitais”

Tecnologia

Na última quarta-feira (20), o neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, reconhecido mundialmente por suas pesquisas sobre o cérebro humano, participou de um podcast da ONU para debater os impactos da inteligência artificial (IA). Durante a conversa, ele alertou para os riscos do uso indiscriminado das tecnologias digitais, afirmando que a humanidade pode estar criando “milhões de zumbis digitais”.

Nicolelis destacou que o termo “inteligência artificial” é equivocado, já que a inteligência é uma propriedade exclusiva dos organismos biológicos, desenvolvida ao longo da evolução. Para ele, as máquinas não pensam e tampouco possuem autonomia real, pois dependem do trabalho humano constante para funcionarem.

Segundo o cientista, a maior ameaça não é que a IA desenvolva uma superinteligência, mas que os seres humanos passem a pensar como máquinas. Como o cérebro é altamente adaptável, existe o risco de a sociedade reduzir sua própria capacidade cognitiva para se ajustar à lógica digital.


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“O cérebro humano pode se adaptar a esse ambiente e, assim, nivelar a inteligência ao padrão dos sistemas digitais”, afirmou.

O impacto no conhecimento e na ciência

Outro ponto levantado pelo especialista foi a preocupação com a difusão de informações falsas, potencializada pelas ferramentas digitais. Ele mencionou que até a produção científica tem sido prejudicada pela disseminação de artigos falsos, gerados em parte por sistemas automatizados.

De acordo com Nicolelis, existe uma “indústria de publicações fraudulentas” que cria descobertas inexistentes e até referências a estudos que nunca foram realizados. Essa situação, além de comprometer a credibilidade acadêmica, torna cada vez mais difícil distinguir o que é real do que é fabricado.

O neurocientista também chamou atenção para dois aspectos sociais da indústria da IA:

Exploração laboral

Milhões de pessoas, principalmente em regiões de vulnerabilidade, trabalham em condições precárias para rotular dados que alimentam grandes modelos de linguagem. Muitas recebem apenas centavos por hora para tarefas emocionalmente desgastantes, como revisar conteúdos violentos. Nicolelis comparou essa situação à exploração do início da Revolução Industrial.

Propriedade intelectual

O cientista revelou que descobriu que seus próprios livros foram usados no treinamento de algoritmos sem sua autorização. Ele alertou para a necessidade urgente de regulamentar o uso de obras de artistas, escritores e pesquisadores, evitando que décadas de trabalho sejam apropriadas sem retorno ou reconhecimento.
Regulação e desafios globais.

Em consonância com os esforços da ONU, Nicolelis defendeu a criação de diretrizes internacionais de regulação das plataformas digitais. Para ele, três frentes são urgentes:

  • Proteção dos trabalhadores explorados pela mineração de dados;
  • Defesa da propriedade intelectual;
  • Combate à desinformação e aos deepfakes que corroem a confiança social.

Segundo o neurocientista, a chamada “era da pós-verdade” ameaça a democracia e a própria ciência.

Terapias inovadoras para o cérebro

Apesar das críticas à indústria tecnológica, Nicolelis ressaltou o lado positivo de suas próprias pesquisas em neurociência. Ele foi pioneiro no desenvolvimento das interfaces cérebro-máquina, que permitem a pacientes com lesões medulares recuperar movimentos por meio de exoesqueletos e equipamentos não invasivos.

Hoje, sua meta é levar essas tecnologias a até 1 bilhão de pessoas que sofrem de doenças neurológicas sem tratamento eficaz, como Parkinson, Alzheimer e epilepsia. Para isso, lançou o projeto “Treat One Billion”, que prevê a criação de uma rede global de hospitais e centros de excelência.

Encerrando a entrevista, o cientista fez um apelo para que a humanidade confie em sua própria capacidade criativa e intelectual. Ele reforçou que nenhuma máquina será capaz de superar o potencial coletivo do cérebro humano: “A capacidade intelectual da espécie humana é muito maior do que qualquer computador já inventado. Nenhuma máquina vai nos substituir.”

Quem é Miguel Nicolelis

Miguel Nicolelis é médico e neurocientista brasileiro, reconhecido mundialmente por seus estudos em redes neurais e interfaces cérebro-máquina. Seu trabalho permitiu que pacientes com lesões graves recuperassem movimentos, consolidando-o como uma das maiores referências em neurociência contemporânea.

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