Indústria digital: hype da IA sem dados é ‘dança da chuva’ e gera prejuízos

Tecnologia

O que deveria ser a revolução da Inteligência Artificial (IA) ainda não passa de uma “dança da chuva” em 95% dos casos de uso implementados na prática no mercado brasileiro. Essa provocação, lançada por Andres Stella, COO da Yalo, definiu o tom do debate essencial que ocorreu no painel sobre o futuro do comércio digital, durante o Congresso Indústria Digital.

Na mesa que focou na transformação digital do setor, os especialistas trouxeram um alerta crucial para quem está interessado em tecnologia e negócios: o Brasil precisa urgentemente diferenciar o “hype fantasioso” da infraestrutura real de negócios para evitar grandes prejuízos e capturar valor.

O consenso entre os participantes do painel é que IA não é mais uma promessa, mas uma realidade consolidada. O debate foi mediado por Carolina Franco, jornalista e executiva comercial da Mondoni Press, e contou com a participação de Anaísa Catucci, chefe de redação do Canaltech, além de Thiago de Melo Furbino, que é LinkedIn Top Voice e fundador da TL.MF.


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Contudo, a aplicação real exige que o homem de mercado e o profissional de tecnologia foquem em uma base sólida de dados, governança rigorosa e ética. Para Furbino, o país, que está na fase de testes, precisa “focar na aplicação real, na ética e na governança que sustentam essa nova infraestrutura de negócios.”

O evento, que aconteceu na última quinta-feira (23), em sua 7ª edição em São Paulo, também reuniu especialistas e líderes do setor para discutir as principais tendências em omnicanalidade, IA, marketing e dados aplicados à indústria. Entre eles, o diretor de marketplace Kael Lourenço, do Magazine Luiza, que abordou com executivos do setor insights sobre estratégias de performance de vendas D2C (Direct to Consumer) em marketplace e tratou de temas como retail media, precificação e sortimento (leia mais abaixo).

Maturidade de dados precede a aplicação da IA

No painel sobre transformação digital da indústria, foi discutido que apesar do entusiasmo e da alta adesão do mercado brasileiro, o setor ainda lida com a pressa e a falta de bases sólidas. 

Uma pesquisa recente, citada durante a apresentação, mostra que a IA já está amplamente presente, mas com impacto limitado. A “Pesquisa Panorama 2026”, realizada pela Amcham Brasil em parceria com a Humanizadas com 629 executivos, revelou o paradoxo: 84% das empresas já utilizam IA, mas 61% delas ainda obtêm resultados pontuais ou irrelevantes.

A IA é vista como prioridade número um para 2026, mas 77% das empresas investem apenas até 2% de seu orçamento na área.

Furbino reforçou o perigo de pular etapas, lembrando que “até o ano passado, estávamos falando que as empresas precisavam ter mais maturidade de dados” e agora, com a revolução da IA, já se deseja aplicar essa tecnologia. Ele enfatizou que “não adianta eu querer implementar IA na empresa se nós de fato não temos uma maturidade de dados.”

A questão da infraestrutura foi endossada por Stella. O executivo da Yalo afirmou que o “segredo para evitar cair no hype é literalmente montar uma infraestrutura”. Muitas tentativas de adoção de IA falham porque não há integração com o back-end dos negócios, explicou. “Eu tenho que poder ativar o billing e o invoicing do sistema de faturamento. E para fazer isso, eu tenho que estar integrado ao dado”. 

Ainda segundo Stella, o modelo ideal é o que cumpre os “4P da alegria” vender mais, vender melhor, diminuir custos e ter o cliente mais feliz. A expressão, inspirada nos 4 Ps do marketing, resume os pilares de um negócio sustentável envolvendo o crescimento, a eficiência, a rentabilidade e a satisfação do cliente.

Para o profissional de tecnologia e o investidor, a lição que fica, de acordo com o especialista, é de que assim como no mercado, o diferencial não está no algoritmo mais complexo, mas na base de dados mais sólida e confiável, que sustenta resultados duradouros.

palco do CID
Palestrantes no palco do Congresso Indústria Digital 2025 (Imagem: Divulgação/Yalo)

Segurança e governança

Com a crescente utilização da IA, as preocupações com segurança e o cenário regulatório se tornaram centrais. A gerente de conteúdo do Canaltech destacou que a segurança dos dados e das informações tem ocupado a atenção de quem está na operação, chamando a atenção para a necessidade de parceiros confiáveis. 

Furbino reforçou que a governança e a ética devem partir do topo da pirâmide corporativa. “Não podemos terceirizar a IA. A gente precisa, principalmente o board, a diretoria, tratar com governança e ética”, pontuou, indicando que o mercado brasileiro precisa se posicionar de forma estratégica entre modelos regulatórios globais (China controlada, EUA pulsante e não regulado, e União Europeia restritiva com o AI Act).

Stella também manifestou preocupação com a possibilidade de a legislação brasileira seguir o modelo europeu, que, segundo ele, é “muito blocante”, ou seja, excessivamente restritivo e burocrático, a ponto de criar dificuldades para o avanço tecnológico e de processos de inovação. Ele também defendeu que os países devem adotar regras mais equilibradas que garantam segurança e ética, mas que, ao mesmo tempo, não sufoquem a criatividade nem impeçam o desenvolvimento de novas soluções.

Aplicações de valor e perigos do hype

Para diferenciar o que é fantasia do que é valor real, é necessário focar nas aplicações que geram resultados concretos. A jornalista Anaísa ressaltou que, na área da comunicação, é preciso ter maturidade para não ceder ao “atrativo fantasioso” do hype, referindo-se a soluções que prometem muito sem entregar valor substancial.

Furbino citou o uso da IA para previsibilidade no planejamento de compras no varejo de moda, que permite aos varejistas apostarem corretamente em tendências sazonais, garantindo estoques otimizados e maior lucro. 

Outras aplicações de valor incluem a criação de sistemas de recomendação de compras que geram listas personalizadas, aprimorando a experiência do consumidor o uso da IA para acelerar a criação de vídeos e peças publicitárias, reduzindo o tempo de produção de semanas para minutos e a aplicação de agentes inteligentes para responder perguntas básicas, democratizando o acesso à informação de qualidade.

palco CID
7ª edição do evento aconteceu no último dia 23 (Imagem: Divulgação/Yalo)

Marketplace: calor humano e automação 

A programação do congresso também reservou espaço para a perspectiva do marketplace. Representando o Magazine Luiza, o diretor de marketplace Kael Lourenço abordou insights sobre estratégias de performance de vendas D2C (Direct to Consumer) e destacou a automação como ferramenta essencial para a escala, mas não como substituta para o relacionamento humano.

Lourenço explicou que a plataforma do Magalu utiliza a automação para oferecer sugestões aos sellers (vendedores) sobre precificação, melhoria de reputação, descrição de anúncios e adição de fotos. O objetivo é dar ao parceiro “mais autonomia sem que ele precise fazer grandes análises”, facilitando a identificação de erros ou oportunidades.

No entanto, o executivo do Magalu enfatizou que, apesar das regras de convivência e do avanço das sugestões automatizadas, o “contato humano” e o “calor humano” são insubstituíveis. Ele citou o programa de assessoria da empresa, que garante que mesmo o pequeno seller possa ter um canal de comunicação direto, por telefone ou presencialmente, com a plataforma.

Para o executivo, a assessoria e a conversa são cruciais para o aproveitamento de oportunidades, citando um caso de sucesso em que o contato direto resultou na exposição de um produto de um seller no programa de televisão patrocinado pela varejista. 

A lição, segundo ele, é que “nada sozinho vai resolver se não houver contato”, ressaltando que, embora a automação garanta a escala, é o relacionamento que impulsiona o aproveitamento de grandes oportunidades.

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