O que realmente é um RPG Ocidental?

Tecnologia

O dragão cai sob seus pés e você finalmente sai da masmorra. A luz do sol toca a sua lâmina enquanto enxerga um vasto mapa diante de si. O momento de sossego é interrompido por um aldeão desesperado: mortos-vivos invadiram sua vila. Está na hora de uma nova aventura.

Essa situação poderia ter surgido de qualquer RPG Ocidental (ou WRPG), seja em franquias como The Elder Scrolls ou através de escolhas morais de The Witcher. Afinal de contas, herói ou heroína, cabe a você decidir se tens o que é necessário para esmagar uma nova ameaça

Ainda que carregue o RPG em seu nome, o DNA destas experiências está bem distante dos tradicionais JRPGs no mundo dos games — surgindo do papel e caneta e chegando aos jogos eletrônicos. Hoje o Canaltech vai explorar todo este código genético para te mostrar o que faz dos jogos e franquias de RPGs ocidentais tão bons e como eles evoluíram ao longo dos anos.


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O que define um RPG Ocidental?

Alguns aspectos definem muito bem o que o jogador deve esperar quando inicia a sua jornada em um WRPG. Estas características podem estar todas presentes ou apenas algumas delas, mas que tornam mais simples a percepção do que ajuda a alinhar elas na mesma categoria.

Imagem de Skyrim
Algumas características você encontrará apenas nos WRPGs (Imagem: Divulgação/Bethesda)

Um dos pilares mais relevantes nos RPGs Ocidentais é a presença de um sistema que permite a liberdade de fazer escolhas e enfrentar suas consequências. Neste aspecto, você pode fazer o que bem entender dentro da narrativa ou do gameplay, contanto que saiba lidar com isso futuramente.

Um exemplo disto é a presença do sistema Paragon/Renegade, que está presente na franquia Mass Effect. Ou as facções de Fallout: New Vegas, que podem abrir e fechar portas para determinadas histórias dentro do jogo. Até mesmo as ramificações da trama vista em The Witcher 3 mostram como isso funciona de forma didática.

Outro destaque nos RPGs Ocidentais é que o mundo do jogo é um personagem por si só. Não basta ter um mapa colossal, mas vazio: aqui temos uma grande densidade de conteúdo em cada vilarejo visitado, masmorra ou nos diálogos que tem com os NPCs.

Imagem de Fallout: New Vegas
Sua história em Fallout: New Vegas seguirá o rumo da facção que você escolher integrar (Imagem: Reprodução/Bethesda)

Com ou sem o jogador, estes mundos têm de estar vivos de alguma forma. É importante ver os moradores de determinada cidade ou vilarejo interagindo entre si, com uma rotina própria e que não depende da sua presença ali. Não apenas isso, mas também a existência de uma cultura, leis e outros elementos que seguem e não se apoiam em seu personagem. 

Esse conjunto de regras, segredos e a sua própria história enriquece ainda mais os WRPGs — com The Witcher 3 e The Elder Scrolls V: Skyrim fazendo isso de uma forma impressionante. Mesmo que você não siga a trama central, será recompensado pela própria exploração e descobertas.

Ainda que não esteja presente em todos os RPGs Ocidentais, também é importante ressaltar que o jogador é o seu próprio personagem. Em muitos casos, você terá total liberdade para personalizar a experiência ao máximo — seja nos aspectos de sua aparência física, trajes e até na forma como progride.

Dito isso, neste tipo de experiência poderá encontrar elementos como o S.P.E.C.I.A.L. de Fallout — que permite uma distribuição customizada de atributos que vão te ajudar de algum modo dentro da sua aventura. O mesmo vale para a escolha de classes, árvore de habilidades e outros fatores. A ideia é aproximar seu personagem ainda mais de você, como pessoa.

Misturando um pouco da sua liberdade de escolhas com a personalização, por fim temos a moralidade cinzenta. Não há bem ou mal absolutos dentro dos RGPs Ocidentais. Tudo está dentro dos 50 tons de cinza e em muitos casos você terá de tomar decisões difíceis para seguir adiante.

Em jogos como Dragon Age: Origins e Pillars of Eternity, por exemplo, os jogadores são forçados a seguir caminhos que podem ser considerados “vilanescos”, mas visando um “bem maior” na história. O jogo não quer apenas que siga em frente, mas questione sua própria moralidade e entenda melhor quais são os seus próprios limites em casos extremos.

Imagem de Pillars of Eternity
Será que um ato de maldade te transforma em vilão? (Imagem: Divulgação/Obsidian Entertainment)

RPG Ocidental vs. JRPG: quais são as diferenças

Ainda que sejam diferentes, há algumas semelhanças entre os WRPGs e JRPGs que podem confundir um pouco o jogador. Por isso, montamos este grande comparativo para compreender melhor o que esperar de cada experiência e como identificar cada uma.

O protagonista

Nos RPGs Ocidentais você tem um avatar feito à sua imagem e semelhança, um personagem que ajudará a moldar do zero até a sua conquista épica. Nos JRPGs, isso já muda para um ponto no qual você muitas vezes conta com um personagem pré-definido — que tem sua própria história e características.

Seria como comparar The Elder Scrolls V: Skyrim com Final Fantasy XV, cada um aborda uma estrutura própria para envolver o grande herói ou heroína. Porém, isso não significa que as coisas serão sempre assim. Em The Witcher 3, por exemplo, temos um WRPG com um personagem pré-definido.

Também há JRPGs onde o jogador pode criar ou customizar o seu personagem do zero para começar a sua aventura. Ainda que exista um pouco desta mistura, ela ainda é vista como uma “exceção” do que algo mais aberto dentro do DNA de cada experiência.

A história

O foco dos WRPG é em uma história centrada nas escolhas e consequências do jogador. A sua liberdade abre caminhos, mas também fecha outros, o que direciona a trama para um ponto bem diferente para cada um dos jogadores.

Imagem de The Elder Scrolls IV: Oblivion
Em RPGs ocidentais, é você que constrói sua própria história (Imagem: Divulgação/Bethesda)

Já nos JRPGs, complementando os heróis pré-definidos citados no tópico anterior, temos também uma história épica e linear. O ponto é que ela depende por completo das suas ações, então você será o motor que a levará adiante — independentemente se houver escolhas ou caminhos distintos.

Um mundo diferente

Nos RPGs Ocidentais, o público tem diante de si um grande sandbox que pode ser explorado livremente. Seja para enfrentar inimigos, buscar itens, ir em lugares ao se mover conforme a curiosidade, você escolhe em definitivo para onde ir e o que fazer em cada um destes lugares.

Imagem de The Witcher 3
Em vários WRPGs, o mundo ao seu redor está vivo e não depende de ações suas (Imagem: Divulgação/CD Projekt Red)

Nos RPGs japoneses, o cenário existe para ajudar a contar a jornada do seu herói ou grupo de heróis. Não tem um vilarejo “jogado” dentro do mapa ou locais “inúteis”, cada um deles tem uma importância dentro da trama e vão te ajudar a alcançar seus objetivos de algum modo.

O combate

Neste aspecto dificilmente você se sentirá confuso, já que todo WRPG usa ação em tempo real ou até movimentos com pausa tática. Em contrapartida, nos JRPGs você tradicionalmente tem confrontos em turnos — apesar de que isso vem mudando com o passar dos anos.

Você muitas vezes pode encontrar um tradicional RPG japonês se adaptar para ação em tempo real, como é o caso da franquia Final Fantasy, por exemplo. Porém, quase nunca verá o contrário: a estética dos RPGs Ocidentais é trazer apenas ação dentro dos combates.

Isso quer dizer que, atualmente, se você vir uma luta em turnos, muito provavelmente saberá que se trata de um JRPG. Porém, caso esteja no âmbito da ação em tempo real ou com pausas táticas, é bom se basear nos demais aspectos para compreender melhor onde cada jogo se encaixa. 

A estética

Há um aspecto inerente aos WRPGs que trazem uma estética mais próxima ao realismo. Mesmo se tratando de fantasias medievais ou ficção-científica, temos aspectos mais sombrios e “pé no chão” do que o visto nos JRPGs — que se apoia muito em seu visual mais inspirado em animes e mangás.

Isso não quer dizer que um RPG Ocidental não possa tomar este cenário como inspiração, mas eles se destacam por apresentar um cenário que é mais verossímil. Os RPGs japoneses também podem aplicar esta estética, vide Final Fantasy XIII em diante — porém, são casos isolados e nem sempre acabam bem-sucedidos.

No entanto, essa aproximação dos JRPGs desta visão se trata mais sobre o gênero globalizar do que dos WRPGs perderem a sua identidade, por assim dizer. Se trata dos estúdios nipônicos buscarem um apelo maior para os fãs ocidentais — o que é uma estratégia válida dentro deste mercado tão competitivo.

De D&D a Baldur’s Gate 3

É importante notar que todo o cenário de RPGs Ocidentais começou no papel e na caneta, através de Dungeons & Dragons (ou D&D para os íntimos). Os RPGs de mesa sempre atraíram a atenção do público, se mostrando uma grande fonte de criatividade para explorarem narrativas únicas.

Imagem de Dungeons & Dragons
Muito dos WRPGs tiveram como base o RPG de mesa Dungeons & Dragons (Imagem: Divulgação/Wizards of the Coast)

Porém, tudo o que você vê dos WRPGs vieram dele: a liberdade, a criação do seu personagem à sua imagem e semelhança, a presença do “Game Master” e diversos outros elementos foram a semente que ajudou o gênero a se estabelecer bem. Além disso, se tornou um ponto forte de apoio para que os fãs reconhecessem os jogos que são da mesma natureza. 

No mundo dos videogames, o primeiro contato com este gênero foi através dos CRPGs (Computer Role-Playing Games). Na chamada “Era de Ouro”, no ápice dos anos 1980, o público viu produções como Ultima e Wizardry: Proving Grounds of the Mad Overlord chegarem aos PCs e conquistar uma legião de fãs.

Vale ressaltar a importância de Ultima, já que foi o primeiro RPG produzido para computadores e também o primeiro game de mundo aberto — bem antes de The Legend of Zelda e outros títulos que tinham uma liberdade de exploração maior naquela década.

Wizardry: Proving Grounds of the Mad Overlord foi um dos primeiros games a adotar as mecânicas de Dungeons & Dragons nos PCs, além de ser o pioneiro entre os jogos eletrônicos a serem lançados que traziam gráficos coloridos.

Sendo considerado por muitos um dos melhores títulos de todos os tempos, Wizardry: Proving Grounds of the Mad Overlord recebeu um remake em 2023 — lançado nos computadores para trazer de volta a clássica história que deu início a toda franquia. 

A explosão dos WRPGs 3D

Porém, a explosão dos RPGs ocidentais só ocorreu nos anos 1990. E duas desenvolvedoras foram as responsáveis por causar um verdadeiro estrondo neste gênero: Black Isle, responsável pelos dois primeiros games da franquia Fallout e a BioWare, que trabalhou no primeiro Baldur’s Gate.

Imagem de Baldur's Gate
A BioWare foi uma das responsáveis pelo início de Baldur’s Gate (Imagem: Divulgação/BeamDog)

Seguidos por títulos como The Elder Scrolls III: Morrowind e Star Wars: Knights of the Old Republic (KOTOR, para os íntimos), os WRPGs se tornaram ainda mais populares. As novas tecnologias nos PCs e consoles de mesa, como PS2, Game Cube e o primeiro Xbox, trouxeram um apelo mais amplo e que cativou grande parte do público.

A Era Moderna

Até chegarmos nos dias atuais, tivemos grandes experiências que exploraram diversas frentes dentro dos RPGs ocidentais. Assim como vimos Baldur’s Gate, Fallout e outros antigos crescerem, também surgiu jogos como a franquia Divinity, Pillars of Eternity, Dragon Age e Mass Effect. 

Mas nenhum deles teve um impacto tão grande quanto The Elder Scrolls V: Skyrim. O jogo da Bethesda abriu portas, mentes e um conjunto de sentimentos que apenas os que exploraram seu mapa conhecem — se tornando uma verdadeira referência dentro da indústria gaming.

Porém, ele não estava sozinho. Diversos títulos tentaram replicar o que Skyrim fez, com alguns obtendo sucesso nesta missão e outros nem tanto. Dragon’s Dogma (que, mesmo sendo produzido pela japonesa Capcom, tem todo o design de RPG ocidental) é um dos melhores exemplos daqueles que souberam surfar bem nessa onda.

Mesmo que The Elder Scrolls V: Skyrim tenha se tornado emblemático, um lançamento de 2015 bate de frente com sua fama: The Witcher 3 Wild Hunt. A aventura da CD Projekt Red com Geralt impactou milhões de fãs pelo mundo — seja quem gosta de WRPGs ou quem não gosta. Seu sucesso foi tamanho que alavancou o nome do estúdio e trouxe até uma adaptação live-action.

Imagem de The Witcher 3
The Witcher III impactou um número impressionante de jogadores (Imagem: Divulgação/CD Projekt Red)

Depois disso tivemos Kingdom Come: Deliverance (mais focado em um mundo medieval “pés-no-chão”), Cyberpunk 2077 — grande projeto da CD Projekt Red, que recebeu milhares de críticas em seu lançamento e teve de ser corrigido ao longo dos anos — e o Jogo do Ano 2023: Baldur’s Gate 3.

Comprovando que a fórmula ao redor dos RPGs continua viva, o game fez um sucesso grandioso ao trazer liberdade total para tomar ações e um sistema de escolhas muito complexo. Assim como alguns outros nomes desta lista, ele furou uma bolha e mostrou que o gênero baseado em Dungeons & Dragons se mantém firme e forte dentro da indústria gaming.

Por onde começar? 12 RPGs ocidentais para jogar agora

Como pode notar, os WRPGs podem seguir caminhos distintos conforme o gosto de cada jogador. Abaixo seguem algumas dicas para que conheça algo que se encaixe melhor à sua preferência:

Quero uma história incrível

  • The Wicher 3 Wild Hunt: Buscando respostas para o sequestro de sua aprendiz, Ciri, o “bruxão” Geralt de Rívia tem de explorar um vasto mapa, encarar contratos para ajudar aldeões e reis e enfrentar ameaças grandiosas neste RPG medieval com muita magia e criaturas mitológicas. 

  • Mass Effect Legendary Edition: A coletânea da EA traz os três principais games da franquia Mass Effect, permitindo que os jogadores acompanhem do início ao fim a jornada de Shepard em gráficos remasterizados e com uma profundidade de mundo que poucos conseguiram replicar.

Sou um explorador

  • The Elder Scrolls V Skyrim: Uma das maiores obras-primas da Bethesda, Skyrim esconde segredos mesmo após 14 anos de seu lançamento original. Com milhares de escolhas, caminhos e coisas a aprender, a experiência quase sempre é diferente a cada vez que você joga e conhece de seu mundo.

  • Fallout 4: Também produzido pela Bethesda, ao invés de um mundo medieval, você vai explorar uma Terra devastada por bombas nucleares. Entre o encontro com mutantes, outros seres humanos mal-intencionados e os riscos da radiação, cabe a você encontrar o seu próprio lugar dentro deste universo. 

Eu sou um estrategista

  • Baldur’s Gate 3: Óbvio que uma pessoa como você não vai se intimidar com as milhares de escolhas, caminhos e personagens que vão aparecer diante de ti dentro da experiência. Ele não ganhou o prêmio de Jogo do Ano 2023 à toa, já que traz gráficos belíssimos, mecânicas inovadoras e estratégia em excesso.

  • Divinity Original Sin 2: Outro projeto da Larian Studios, o título te leva a explorar uma quantidade insana de possibilidades com seu mapa, combates, escolhas e diversos caminhos que podem seguir a partir disso. Nele você terá de encarar o Vazio para se tornar uma divindade, mas se conseguirá ou não só cabe às suas habilidades dizer.

Amo ficção-científica

  • Cyberpunk 2077: Em um futuro distópico, você está em Night City — um lugar onde literalmente tudo pode acontecer. Implantes tecnológicos, armas diferenciadas, companhias que controlam a sua forma de viver e um mundo do crime que está enraizado na sociedade, você tem uma grande aventura ao lado de Keanu Reeves (como Johnny Silverhand).

  • Starfield: Outra grande contribuição da Bethesda para os WRPGs, aqui você verá uma exploração espacial sem precedentes. Com naves, veículos, armas e uma série de ameaças espaço afora, você tem que decidir qual será o melhor caminho para chegar ao seu destino sem que o seu objetivo sucumba no frio abraço das estrelas. 

Liberdade com RPGs ocidentais

Mais do que um gênero, os WRPGs são uma filosofia de design que se perpetua fortemente na indústria gaming. Permitindo que os próprios jogadores se coloquem dentro da experiência, você pode se expressar e criar o seu próprio caminho dentro de universos distintos — sejam eles mágicos, espaciais, baseados no mundo real ou qualquer outro.

E ainda que eles tenham uma narrativa fortíssima e personagens de alto carisma, a sua importância não é reduzida. Muito pelo contrário, ela é o foco. As suas decisões, o que acha certo ou errado e suas ações que realmente importam dentro disto tudo. Apenas isso te levará adiante, independentemente de onde vá.

E então, meus caros heróis e heroínas, estão prontos para traçar seu caminho em direção à glória eterna? Se você já jogou um RPG ocidental ou pensa em começar, compartilhe este texto e nos conte o que está pensando em explorar ou que tenha te marcado dentro das múltiplas experiências grandiosas.

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