Em um tempo longínquo, os jogos exclusivos definiam plataformas e criavam um público próprio para cada videogame. De repente, tudo mudou. Forza Horizon 5 e Gears of War Reloaded, da Xbox Game Studios, chegam ao PS5. God of War e The Last of Us, da PlayStation Studios, vão para o PC — assim como Helldivers 2 aterrissou no Xbox Series.
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Afinal de contas, o que está acontecendo? Como dizem os nossos amigos de marketing, o gerente ficou maluco? A estratégia da Sony e da Microsoft mudou, o que vai impactar de uma vez por todas o que muitos chamam de “guerra dos consoles”. O que presenciamos é o verdadeiro fim desta artimanha que se tornou tão popular na indústria gaming.
Porém, o que fez essas gigantescas companhias abrirem mão de seus jogos exclusivos e começarem a disponibilizá-los em outras plataformas? Hoje o Canaltech vai te explicar como passamos da “Era da Exclusividade” para a chamada “Era Multiplataforma”.
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O princípio da Era da Exclusividade
Entre os anos 1980 e 1990, consoles com jogos exclusivos significavam um grande diferencial competitivo. Era de conhecimento geral que se alguém queria jogar Mario, tinha de comprar um Nintendo. E para Sonic, tinha de ir direto para um Master System ou Mega Drive da SEGA.

Na guerra entre ambas as companhias japonesas isso era muito evidente. Em um console você encontrava Kirby, The Legend of Zelda e Donkey Kong. No outro, Altered Beast, Ecco the Dolphin e Golden Axe. Claro que tinham títulos multiplataforma, mas as principais experiências obrigavam o público a tomar a decisão por qual lado seguir.
Quando a Sony foi traída pela Nintendo, eles adotaram este mesmo tipo de estratégia — para pagar com a “mesma moeda”. A SquareSoft, antiga parceira da Big N, produziu o emblemático Final Fantasy VII de forma exclusiva para o PlayStation por exemplo.
Por outro lado, a Nintendo manteve a sua postura e passou a disputar o espaço contra a SEGA e a Sony. Super Mario 64, Super Smash Bros., Pokémon Stadium, The Legend of Zelda: Ocarina of Time, Banjo-Kazooie e outros reforçaram a estratégia que se manteve por décadas.

A partir disso vimos Shenmue no Dreamcast, Halo: Combat Evolved no então novato Xbox, Kingdom Hearts e Devil May Cry chegando ao PS2, Metal Gear Solid 4 no PS3 e centenas de outros em diversas plataformas que foram lançadas nas últimas três décadas. O que tudo isso significa? Que ter jogos exclusivos formava uma identidade para a marca e mostrava sua força.
Como chegamos à Era Multiplataforma?
Esta estrutura de jogos exclusivos seguiu até a geração do PS4 e do Xbox One. Nela, vimos grandes lançamentos chegando para cada console, o que deixou a competição entre ambos mais acirrada. Porém, do PS5 e Xbox Series em diante, as coisas mudaram. E aqui estão as razões para isso acontecer:
1. Custos elevados de produção
O desenvolvimento de jogos AAA se tornou um processo mais complexo com o avanço das tecnologias. Antes os games eram produzidos em 3 ou 4 anos com um determinado custo. Hoje não é possível produzir qualquer tipo de experiência sem o tempo de 5 anos (quando não chega nos 10 ou mais).
Com um tempo e gastos maiores, os estúdios se viram com gastos que excedem os milhões de dólares. Cyberpunk 2077 e Elden Ring, por exemplo, tiveram um tempo de criação muito longo e usaram todo o potencial que estava disponível nas plataformas — o que atraiu um custo altíssimo por cada projeto.

Um investimento tão colossal não pode correr o risco de ficar limitado à apenas uma plataforma. O retorno financeiro sequer é garantido, principalmente quando debatemos que gerações atuais seguem com uma base entre 30 e 60 milhões de usuários. O cálculo é simples: lançar jogos em mais consoles pode duplicar os lucros e ninguém quer perder a oportunidade.
Quer um exemplo? A Rockstar teve um custo de US$ 2 bilhões na produção de GTA 6. Se eles lançassem apenas no PS5 a US$ 70, eles teriam de vender cerca de 28 milhões de unidades só para recuperar o investimento — quase metade do número total de usuários do console da Sony. Lucro, só depois de atingir essa marca.
2. Como jogar importa mais
Hoje a estratégia da Sony e da Microsoft não está mais presa apenas ao hardware (videogame) e seus jogos. Elas estão criando um verdadeiro ecossistema ao seu redor, o que permite aos usuários escolherem onde podem jogar — com apps e serviços que giram ao redor do seu software.

O Xbox Game Pass, por exemplo, permite que usuários sequer precisem comprar os grandes lançamentos e oferece facilidades — como jogar na nuvem, via Xbox Cloud Gaming. A Sony tem o PS Remote e dispositivos como o PlayStation Portal, que permitem jogar seus títulos à distância via dispositivos compatíveis (como celulares e PCs).
A japonesa ainda construiu uma estrutura para lançar alguns de seus principais títulos no PC — porém, também segue uma cartilha própria. A ideia é apresentar para o público as suas principais franquias e incentivar que adquiram o PS5 para explorar mais destes universos de seus títulos.
Muito se fala sobre a Nintendo, mas a companhia não é tão “exclusiva” assim também. O primeiro Donkey Kong foi lançado para fliperamas, por exemplo, e a Big N investe bastante no mercado de arcades. Pokkén Tournament, Mario Kart Arcade GP DX, Mario & Sonic at the Olympic Games Tokyo 2020 e outros tinham máquinas próprias espalhadas pelo Japão, por exemplo.
3. O mercado insaciável de PC gamers
O potencial que lojas digitais para computador têm, como a Epic Games e o Steam, é uma base instalada colossal demais para ser ignorada. São milhões de usuários ativos diariamente, ávidos para comprar e baixar tudo de alta qualidade o que seus componentes aguentam.
O Xbox entendeu isso há muito tempo, com a PlayStation passando a adotar este mercado apenas nos últimos anos. Para eles, o PC não é um concorrente direto. É um mercado adicional, mas que pode trazer uma quantidade de lucro massiva e que não exige tantos comprometimentos ou um alto investimento.
4. Uma nova definição para exclusividade
Apesar de tudo que você leu, os jogos exclusivos não morreram. Eles estão passando apenas por um processo de redefinição. A nova “moda” é a exclusividade temporária: o público pode encontrar determinada experiência na sua plataforma de “origem” por algum tempo (meses ou anos) e depois os demais poderão aproveitar em outras plataformas.
A intenção é simples, ganhar o público na empolgação do primeiro momento e incentivar a comprar seu hardware para aproveitar aquele e outros títulos antes de todos. Depois verá ele nos demais, como forma complementar para cativar quem está na concorrência — desta forma, todos ganham.
Veja isso como se fosse um “Acesso Antecipado”, um bônus por ter comprado um PS5 ou Xbox Series. Embora sejam vistos lançamentos multiplataforma de forma simultânea, eles seguem incomuns e o público continua com a melhor performance inicial dentro de seu ecossistema.
Como jogador, o que muda para mim?
Com o fim dos jogos exclusivos, o que isso muda para você como jogador? Muita coisa vai mudar, porém a forma como isso pode te impactar será algo que precisa ponderar — tanto pelos pontos positivos quanto pelos negativos.
Vamos começar pela parte boa, com os prós. O principal e mais favorável de todos é a possibilidade de ter acesso a diversos jogos incríveis, que antes eram limitados em seu próprio videogame. Quem imaginaria jogar Forza Horizon 5, Gears of War Reloaded e Indiana Jones e o Grande Círculo em seu PS5?

Além disso, o fim dos jogos exclusivos traz outra grande vantagem: a econômica. Você não precisa mais comprar dois ou mais videogames para curtir tudo o que está disponível. Isso representa uma liberdade maior de escolha de onde e como você vai jogar cada experiência.
Também vale notar que existe potencial para a preservação de jogos em mais plataformas, a longo prazo. A retrocompatibilidade do Xbox, por exemplo, permitiria jogar diversos jogos dos anos 2000 que seguem indisponíveis até os dias atuais. Pois é, caros leitores, isso é um baita diferencial.
Já no lado contrário da correnteza, temos alguns pontos a serem ponderados. O maior deles e o que mais impacta o público é o quesito “identidade”. Você não vai mais comprar um Xbox pensando que é o videogame de Halo ou o PlayStation como o videogame de God of War. Isso acabou.
Se tudo chega em diversas plataformas, elas vão perdendo o seu “charme” e o público, querendo ou não, passará a ver isso de uma forma diferente. Também é possível que a competição histórica que existia, que resultava em diversos avanços na inovação, possa ser reduzida (ou não, já que eles vão precisar chamar a atenção de outros modos — só o tempo dirá).

Por fim, podem deixar de existir alguns dos emblemáticos jogos de nicho (que eram viáveis para manter o interesse do público em sua própria plataforma). Com a produção de muitos AAA, alguns estúdios produziam títulos menores e que atingiam uma parcela diferente do público. Porém, isso pode acabar, já que o investimento será cada vez maior em projetos grandes.
É o fim do PlayStation e do Xbox como conhecemos
O fim dos jogos exclusivos não significa necessariamente algo ruim, apenas que a Sony e a Microsoft decidiram mudar a sua estratégia. Uma adaptação aos tempos modernos, onde um alto investimento (seja em projetos ou em estúdios) precisa trazer retorno financeiro e atingir um público maior e mais exigente.
A “guerra dos consoles” não foi encerrada, as companhias apenas mudaram o seu campo de batalha. O foco deles não é lutar mais para o fã ter seu videogame na estante, mas sim nos lucros que vão obter com seus jogos e serviços oferecidos dentro do ecossistema.
Desta forma, quem mais vai ganhar será você. Virão mais títulos para o seu hardware, a comunidade (seja por multiplayer online ou por ações em conjunto em redes sociais ou Discord) aumentará e você não precisará mais brigar para saber se o PlayStation ou o Xbox são os melhores. Terá diversão para todos, independentemente da plataforma.
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