Reator nuclear na Lua | Advogada explica tratados espaciais e a “nova corrida”

Tecnologia

A corrida espacial, que antes tinha como foco o hasteamento de bandeiras e o lançamento de sondas, agora pode ser marcada pela construção de um reator nuclear na Lua. Algumas nações já demonstram interesse, inclusive com o anúncio de planos para desenvolver esse tipo de estrutura no satélite natural.

Em abril de 2025, a China revelou planos para construir uma usina nuclear na superfície lunar até 2035, com o objetivo de abastecer a futura Estação Internacional de Pesquisa Lunar, em parceria com a Rússia.

Em agosto do mesmo ano, foi a vez de Sean Duffy, administrador interino da NASA, sugerir que um reator nuclear dos Estados Unidos poderia estar funcionando na Lua até 2030.


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De acordo com Michelle L.D. Hanlon, professora de Direito Aeronáutico e Espacial da Universidade do Mississippi, não se trata de uma corrida armamentista, mas sim de uma disputa por infraestrutura estratégica para a exploração da Lua e de outros astros.

Uso de energia nuclear no espaço

Os Princípios Relevantes para o Uso de Fontes de Energia Nuclear no Espaço Exterior, descritos pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1992, já estabelecem diretrizes para o uso seguro e transparente dessas fontes em missões espaciais.

O documento reconhece a importância desse tipo de energia principalmente para expedições em que a energia solar é insuficiente para abastecer os sistemas enviados ao espaço.

Mas antes mesmo do estabelecimento dessas normas, países como Estados Unidos e Rússia já utilizavam geradores de radioisótopos, que empregam pequenas quantidades de elementos radioativos — um tipo de combustível nuclear — para abastecer satélites, rovers em Marte e até mesmo as sondas Voyager.

“Nada no direito internacional proíbe o uso pacífico da energia nuclear na Lua. Mas o que importa é como os países a implementam. E o primeiro país a ter sucesso poderá moldar as normas, expectativas, comportamentos e interpretações legais relacionadas à presença e à influência lunar”, ressalta Hanlon.

Mas por que a energia nuclear?

A Lua tem pouca atmosfera e permanece até 14 dias seguidos na escuridão — em algumas crateras sombreadas, a luz solar nunca atinge a superfície. Por conta disso, não é possível confiar em fontes de energia solar nas regiões mais críticas do satélite natural.

Como pode operar por mais de uma década no espaço, um pequeno reator nuclear é considerado uma boa alternativa para alimentar bases humanas, veículos espaciais e equipamentos como impressoras 3D e sistemas voltados à saúde.

“A energia nuclear pode ser a base da atividade humana a longo prazo. E não se trata apenas da Lua — desenvolver essa capacidade é essencial para missões a Marte, onde a energia solar é ainda mais limitada”, afirma a advogada especializada em avanços humanos de longo prazo no espaço.

Crateras escuras da Lua
Algumas crateras escuras da Lua não recebem luz do Sol, o que impossibilita o uso da energia solar (Reprodução/NASA’s Goddard Space Flight Center)

A importância do pioneirismo

Outro documento das Nações Unidas, conhecido como Tratado do Espaço Exterior, foi ratificado em 1967 pelos principais países com programas espaciais, como China, Estados Unidos e Rússia.

Esse tratado rege as atividades no espaço, e seu Artigo IX exige que a atuação dos Estados leve em consideração os interesses de todas as outras nações signatárias.

“Essa afirmação significa que, se um país instalar um reator nuclear na Lua, outros países deverão contorná-lo, legal e fisicamente. Na prática, isso traça uma linha no mapa lunar. Se o reator fizer parte de uma instalação maior e de longo prazo, poderá moldar discretamente o que os países fazem e como suas ações são interpretadas legalmente, na Lua e além”, explica a docente da Universidade do Mississippi.

Outros artigos do tratado afirmam que os países têm o direito de explorar o satélite natural e outros corpos celestes, mas proíbem reivindicações territoriais ou declarações de soberania fora das fronteiras terrestres.

Por outro lado, Hanlon interpreta que, embora o texto do tratado proíba reivindicações territoriais, ele reconhece que as nações podem construir bases no espaço e, com isso, restringir o acesso a determinadas regiões. Na prática, segundo a especialista, isso poderia conceder aos países certo grau de controle sobre quem pode ou não explorar o local.

Ilustração de base lunar
Instalação de uma base na Lua não pode significar a reinvindicação do satélite natural pelas nações (ESA/P. Carril)

Infraestrutura em regiões estratégicas

A construção de um reator nuclear em regiões ricas em recursos, como o polo sul lunar, estabelece a presença estratégica de um país em determinada área. Essa região específica é cobiçada pelo fato de o gelo encontrado em crateras sombreadas poder ser usado para abastecer foguetes e sustentar bases na Lua.

Assim, construir infraestrutura nessas áreas consolidaria a capacidade exclusiva de uma nação de acessar os recursos locais — e, ao mesmo tempo, impediria outros países de explorar a região.

A advogada pontua que a construção de um sistema nuclear na Lua, dentro dos protocolos internacionais, não se trata de uma reivindicação territorial ou declaração de guerra, mas sim de uma demonstração de poder no contexto da nova corrida espacial.

“O futuro da Lua não será determinado por quem fincar mais bandeiras. Será determinado por quem construir o quê e como. A energia nuclear pode ser essencial para esse futuro. Construir de forma transparente e em conformidade com as diretrizes internacionais permitirá que os países concretizem esse futuro com mais segurança”, acrescenta Michelle L.D. Hanlon.

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